segunda-feira, 18 de maio de 2009

Strawberry Fields Forever

Querido diário, há tempos não converso com você e sei que é abuso de minha parte vir lhe procurar justo em um momento como esse. Lembro-me da última vez que conversei contigo, foi no dia da minha formatura; falei da tristeza de estar me despedindo dos meus amigos do ensino fundamental e também que não queria ir para a escola do ensino médio...

No primeiro dia de aula foi díficil para levantar da cama. Ao entrar naquela escola onde tudo era diferente, minha vontade foi de sair correndo. Entrei na sala de aula procurando uma carteira para me sentar, ao fundo noto um violão encostado na parede, perto de uma carteira onde só havia uma mochila em cima, sentei-me na do lado, abri o caderno e fiquei de cabeça baixa rabiscando qualquer coisa até que percebo que a carteira ao meu lado estava ocupada; era um menino de pele bem clara, cabelos castanhos e estava com fones de ouvido; olhou-me e disse "oi" e então pude ver a cor escura de seus olhos em seu olhar que penetravam nos meus.
Passaram as primeiras aulas e o tão esperado sinal para o intervalo foi tocado. Demorou um pouco para que eu saisse da classe e, chegando no pátio, vejo o mesmo garoto sentado no chão, com várias pessoas em volta ouvindo-o tocar; sentei-me por perto para ouvir também. As músicas que ele tocava eram todas conhecidas para mim, ele sabia tudo da Janis, do Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones e isso fez com que eu ficasse ainda mais intrigada com aquele menino.

Com o passar dos dias, fui notando que Jõao Roberto - ou Johnny, como era mais conhecido, era o garoto mais popular daquele colégio, embora parecesse que ele não estava satisfeito com aquilo; ele não ligava para as meninas que viviam em sua volta, na verdade, parecia até se incomodar com elas. E quanto a mim? Não passava do "oi" ou "bom dia", quando ele falava.
Um dia qualquer, estava cansada da aula, então coloquei os fones de ouvido e deixei a música bem alta; de repente alguém me cutua, era ele!
"Você tá ouvindo rock, é isso?"
"Estou. Desculpa, não percebi que tava tão alto."
"Desculpa nada". - Assustei, enquanto ele continuou - "Ninguém deve se desculpar por ouvir boa música."
Quando ví, estávamos no intervalo, a sala vazia e só nós dois, ele tocando violão e eu cantando com a minha voz toda desafinada e assim seguiram os dias, em cada manhã que se passava ficávamos mais amigos e essas manhãs foram se prolongando para tardes sentados em uma pracinha e às vezes noites conversando ao telefone. Quanto mais próximos ficávamos, mais gostava de Johnny, ou apenas John - como eu o chamava. Por trás das roupas pretas, do cabelo rebelde e da cara fechada, havia apenas um menino que, acima de qualquer imagem, carregava a frente um grande coração. Sem dúvida, o melhor amigo que alguém pode ter!
Em uma tarde qualquer, enquanto conversávamos na "nossa" pracinha, John me disse que sempre procurou alguém que o entendesse e o aceitasse como ele realmente é, sem algum interesse por trás, sem a intenção de dar uma volta em seu famoso opala metálico azul - com o qual, até certo tempo, costumava fazer pegas absurdos -, ou até mesmo de estar desfilando ao lado de um cara com um porte físico invejado por muitos. Falei para ele que nem todas as pessoas são assim, então, sem por que, ele me respondeu irritado "eu já ví que não." e saiu, sem ao menos dizer tchau. Na manhã seguinte, ele faltou; tentei ligar durante o dia, mas ele não me atendia e isso se repetiu por algum tempo. Quando enfim cheguei no colégio e o ví conversando com um dos garotos da sala, fui logo em sua direção e o ouvi marcando um super pega para o fim de semana, perguntei por que ele estava fazendo aquilo, ele já havia parado com essas "brincadeiras" depois que ficamos amigos e novamente ele me deu as costas e assim passamos a semana, sem nos falar.
Chegou sábado a noite, eu me recusava a assistir aquele espetáculo infantil, mas algo mais forte falava para que eu fosse - e fui! Chegando lá ví que a cidade inteira havia se movimentado para ver o grande acontecimento, John já estava dentro de seu carro, quando me viu, soltou um sorriso estranho e os motores sairam ligados a mil, pra estrada da morte- o maior pega que existiu, só deu pra ouvir, foi aquela explosão e os pedaços do opala azul de Johnny pelo chão. No dia seguinte, falou o diretor "o aluno João Roberto não está mais entre nós. Ele só tinha dezesseis, que isso sirva de aviso pra vocês".
E assim se encerra a história da pessoa que mais me completou...

*Texto baseado na música "Dezesseis" da banda "Legião Urbana". Pra quem não conhece, segue o link com a letra http://vagalume.uol.com.br/legiao-urbana/dezesseis.html

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