segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Fantasma da Ópera

Por José Carlos Cancelli

Por que analisamos filmes e outras obras de qualquer natureza com um olhar da psicologia? Porque aquelas obras que se perpetuam trazem em seu bojo conteúdos de nossa história, assim como os contos de fadas. O musical “O Fantasma da Ópera” se inclui nesse repertório. Há mais de dez anos em cartaz em várias partes do mundo, com várias montagens para teatro e cinema, em diversos países, essa peça está em cartaz no Brasil há mais de nove meses. O que atrai tantas pessoas?

O musical retrata um período específico da vida de uma corista, membro do corpo de baile do teatro e principal protagonista, chamada Christine. Por uma série de eventos ela é levada ao posto de prima-dona.

Christine perdeu o pai aos sete anos e lembra que ele lhe dizia que “quando fosse para o céu, lhe mandaria o anjo da música.” O pai era um violinista famoso.

No teatro, cuidada pela professora que também é a responsável pelo corpo de baile, Christine é ensinada a cantar por alguém que ela não vê, só escuta. Ela supõe que seja o “anjo da música” do qual o pai falava. Ela teme e admira essa figura idealizada.

Há um novo benfeitor do teatro que é um amigo de infância de Christine. O reencontro reascende um amor infantil.

Após a estréia de Christine e seu sucesso, o Conde, seu amigo de infância, quer comemorar com ela. Christine responde que o “anjo da música é muito exigente e não permitirá”. O fantasma finalmente aparece e a leva para os subterrâneos do teatro a fim de comemorar o sucesso dela. Os versos cantados pelo fantasma dizem “o que eles vêm é você, mas o que ouvem é a mim”.

Durante todo o desenrolar da peça o que se vê é a disputa entre o Conde e o Fantasma e o conflito de Christine.

Para que possa amar outro homem, Christine precisa se libertar do “Anjo da Música”, a quem ela transferiu o papel de pai (o detentor da lei) e a quem ama, venera e teme”. Até a chegada do “cavalheiro”, amigo de infância (o Conde), Christine não questionou a autoridade e o poder do “Anjo da Música”. Quando ela acorda de seu sono adolescente (curiosamente a atriz tinha 16 anos quando fez o filme) percebe novos impulsos e desejos. Um mundo não mais fantasioso e etéreo como o do “Anjo da Música”, mas concreto e que a remete aos jogos infantis. Há um desejo renascendo em um novo patamar.

Para que Christine possa seguir esse caminho deve compreender que o “Anjo da Música” não é um anjo mandado pelo pai, não é seu pai. Ele é um homem como qualquer outro, que não detém a lei, o falos. Somente quando ela assim o perceber estará livre para amar outro homem. O primeiro momento é quando o fantasma perde a luta com o pretendente de Christine, no cemitério. Nessa hora, seu pretendente, um aspecto mais concreto do masculino, fala para Christine: “ele é só um homem…!”. O segundo momento ocorre quando ela é capaz de perdoá-lo, na cena final, na caverna.

Do início do filme - quando ela revê o amigo de infância, até o seu final, quando entrega do anel ao “fantasma”, há uma transferência gradual de poder entre as duas figuras masculinas. Aquele anjo, figura poderosa que a seduz e a quem ela deseja começa a perder seu poder quando busca concretizar sua posse. Por outro lado o aspecto “terreno” desse masculino mostra-se cada vez mais próximo dos desejos e anseios concretos de Christine. Vejo isso demonstrado na cena no terraço do teatro quando ela pede que ele a proteja e faça da vida dela um “verão” em contra ponto com a “vida de sombras” e etérea oferecida pelo fantasma.

Lacan destaca bem esse momento quando fala da transferência dofalos entre as figuras do triângulo edípico – mãe, criança, pai. São três momentos.

No início, o falos está com a mãe que é a provedora da criança. Esta necessita de seu amor e vê na mãe a lei, o falos. Seu desejo é o desejo da mãe. Podemos inferir que a personagem “Carlota” (a prima-dona oficial do teatro) age como uma mãe castradora, que não deixa a filha crescer. Quando o pai entra na relação ele demonstra um poder superior ao da mãe “tomando” o falos para si, libertando a criança de sua relação simbiótica com a mãe. O desejo da criança é então o desejo do pai. Este é o momento inicial do musical. Uma das canções diz que o público vê Christine, mas que a música é do Fantasma. Ela é um produto dele. Em um terceiro momento do Édipo Lacaniano, a criança percebe que, na verdade, até o pai está subordinado a essa lei, transferindo assim o falos para outra instância, a realidade concreta do dia-a-dia, fora do teatro, apresentada pelo Conde. Desse modo, ela se liberta para a vida.

Enfim, um fantasma assombrando o início da vida de uma mulher. Mas esse feminino ainda tem um longo caminho para ser um ser individual. Na verdade, ela está transferindo da figura do fantasma para a do Conde a sua dependência. É um ego mais real, com certeza, mas ainda não individuado.

Sob um ponto de vista arquetípico, o aspecto negativo do animus assombra seu relacionamento com os homens. É necessário enfrentar e transformar esse aspecto para que um relacionamento satisfatório possa ocorrer. De qualquer forma esse aspecto, imagino que negativo pelo fato de ela ter tido pouco relacionamento com homens (seu pai morre quanto tem sete anos) e ela não sabe como lidar com isso, mostra a ela um mundo interior e divino, muito mais amplo que a vida rotineira dos ensaios do teatro. Tanto que ela se destaca do corpo de dançarinas justamente pelo acesso que tem a esse aspecto doanimus. Mas Christine não pode viver somente uma vida interior, no santuário interno onde reza ao pai e ouve a voz do “anjo”. Para crescer como ser, ela necessita viver a realidade. Isso se dá pelo desenvolvimento de um novo aspecto do animus projetado no seu amigo de infância. Ela então tem que optar: ou fica junto ao “anjo” que lhe revelará os mistérios do mundo “divino”, ou junto ao seu amigo de infância que lhe apresentará um tipo de vida concreto, mais próximo de seu ego. Qualquer opção, nesse momento de sua vida, exclui a outra. Na primeira ela “morre” para o mundo e permanece no coletivo, no desejo do outro, dominada pelo arquétipo. Na segunda, ela faz a opção pela vida. Por trilhar um caminho de crescimento.

Essa abordagem remete ao conto “A Bela e a Fera” que contém o mesmo mitologema dos contos de fada em que a princesa está presa na torre.Somente quando a “Bela” se apaixona pela “Fera”, esse aspecto ameaçador do arquétipo se modifica. Realmente a personagem do filme está presa na “torre” e é necessário que ela compreenda a natureza de seu algoz para poder se libertar.

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